Alegoria na literatura cristã

 

Alegoria é uma figura de linguagem de uso retórico, que expressa um significado além da literalidade, representa uma ou mais ideias e pensamentos ocultos na obra. Podemos encontrá-la, não apenas em textos, mas em manifestações artísticas como: pinturas, esculturas, desenhos, etc.

Etimologicamente, o vocábulo vem do grego “hypónoia” que quer dizer “significação oculta”, eram utilizados para interpretar os mitos de Homero. Posteriormente, substituído pelo termo latim “allegoría” que significa “dizer o outro”, ou seja, transmite o sentido implícito do que está escrito ou representado na figura. 

Na antiguidade, era muito utilizada na mitologia grega, para explicar o sentido da vida e as forças sobrenaturais. Observa-se o uso de alegoria na literatura clássica nos textos platônicos, como o “Mito da caverna”, na obra “Metamorfose” do poeta latino Ovídio, o “Asno de Oiro” de Apuleio, narrando os mitos de "Cupido e Psique", na “Psicomaquia” de Prudêncio que conta o dilema entre virtudes e vícios, etc. No século XX, temos como exemplo, a fábula distópica e sátira política, “A revolução dos bichos” de George Orwell, escrita no final da Segunda Guerra Mundial, a história utiliza animais como personagens, que representam os tipos sociais.

Alegoria na literatura cristã 

A interpretação alegórica da bíblia atribui uma explanação além da literalidade do texto, revelando a essência da obra, ocultas no contexto. São encontradas tanto no Antigo quanto no Novo Testamento.

O pesquisador Hansen, em seu livro “Alegoria: construção e interpretação da metáfora” (2006), estrutura a interpretação alegórica cristã em três partes:

Consideração da presença de Deus nas coisas sensíveis; consideração da presença de Deus nos seres espirituais, almas e puros espíritos; consideração da presença de Deus na alma humana, segundo grais de maior ou menor proximidade na maneira pela qual figuram Deus. (HANSEN, 2006, p. 92).

A percursora das interpretações alegóricas do Antigo Testamento foi a Escola de Alexandria, influenciada pelos filósofos gregos Heráclito e Platão. O primeiro afirma que existem verdades escondidas por trás das palavras, já o segundo, que o mundo real é apenas uma representação do imaterial, “o mundo das ideias”. 

Como método de interpretação bíblica, a alegoria passou a ser usada pelo judeu chamado Filo, de Alexandria no Egito (13 a.C. 40 d.C.), tinha uma formação filosófica ligada ao platonismo. Analisou vários textos do Antigo Testamento, no entanto, destacava a simbologia bíblica em seu sentido literal, sem transmitir a profundidade da palavra de Deus.

Influenciado pela Escola de Alexandria, Clemente de Alexandria (150-215 d.C.), fazia uma interpretação alegórica, levando em consideração não apenas o texto literal, também, analisava o sentido oculto das passagens bíblicas,. Para Orígenes (185-253 d.C.), o sentido literal é relevante, no entanto, há coisas que só o sentido espiritual pode compreender.

Alguns exemplos de alegorias no Antigo testamento são: o jardim do Éden (Gn 2.8-14), restauração de Israel (Sl 80:8), a visão do Trono de Deus é o vale de ossos secos (Ez 1:1:28; 37:1:14), dentre outros. No Novo Testamentos pode-se destacar: as parábolas de Jesus, a Lei e as promessas (Gl 4:21- 31), as profecias Apocalípticas.

Na literatura cristã, há vários autores de destaque que seguem a linguagem alegóricas em suas obras como: Dante Alighieri (1265–1321), na obra “Divina Comédia”, publicada no século XIV, descreve a história do pecador nos caminhos de Deus: inferno, purgatório e céu; “a Psicomaquia”, de Prudêncio, que aborda o conflito entre a virtude e o vício; “O peregrino” de John Bunyan (1628–1688), perfaz a trajetória do cristão até o céu; “As Crônicas de Nárnia”, “Até que tenhamos rostos”, “Alegoria do amor” e várias outras obras de C. S. Lewis (1898–1963).

 Exemplos de alegorias na Bíblia 

Como dito, a alegoria utiliza-se de sucessivas metáforas que se inter-relacionam transmitido ideias ocultadas através de figuras, símbolos, objetos, animais, etc. Algumas encontradas na bíblia são:

• Metáforas — expressa o sentido figurado por comparação como: “Vós sois o sal da terra; Vós sois a luz do mundo.” (Mt 5:13-14);

• Fábulas — textos curtos em prosa ou verso, apresenta personagens animais que agem como humanos, a história é simples e com caráter moral. Ex: “Mandou, porém, Jeoás, rei de Israel, dizer a Amazias, rei de Judá: O cardo que estava no Líbano mandou dizer ao cedro que estava no Líbano: Dá tua filha por mulher a meu filho. Mas uma fera que estava no Líbano passou e pisou o cardo.” (2 Reis 14:9); 

• Parábolas — Textos curtos em prosa metafórica que transmite uma lição de moral. Jesus contou muitas parábolas: "O Bom Samaritano" (Lucas 10:29–35), "Filho pródigo" (Lucas 15: 11–32), etc. Exemplo:  "A ovelha perdida" (Lucas 15:4-7) “Qual de vós sois o homem que, possuindo cem ovelhas, e perdendo uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto, e não vai após a perdida até a encontrar? E achando-a, põe-na sobre os ombros, cheio de júbilo; e chegando a casa, reúne os amigos e vizinhos e lhes diz: — Alegrai-vos comigo, porque achei a minha ovelha que se havia perdido. Digo-vos que assim haverá maior alegria no céu por um pecador que se arrepende, do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento.”

• Sátiras — discurso, texto ou obra em tom sarcástico, com a finalidade de fazer críticas sociais, políticas, morais. Ex: a queda do rei da babilônico (Is 14:12-15) “Como caíste do céu, ó estrela da manhã, filha da alva! Como foste lançado por terra tu que prostravas as nações! E tu dizias no teu coração: "Eu subirei ao céu; acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono; e no monte da congregação me assentarei, nas extremidades do norte; subirei acima das alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo." Contudo, levado serás ao Seol, ao mais profundo do abismo.”

• Apólogo — narrativa em verso ou prova, em que figuram seres inanimados para ilustrar uma lição moral. Ex: a maldição de Jotão o (Juízes 9:8-21) “Foram uma vez as árvores a ungir para si um rei; e disseram à oliveira: — Reina tu sobre nós. Mas a oliveira lhes respondeu: — Deixaria eu a minha gordura, que Deus e os homens em mim prezam, para ir balouçar sobre as árvores?" Então disseram as árvores à figueira: — Vem tu, e reina sobre nós. Mas a figueira lhes respondeu: — Deixaria eu a minha doçura, o meu bom fruto, para ir balouçar sobre as árvores?” [...] 

• Prosopopeia — atribuição de características humanas a seres irracionais, inanimados ou abstratos, como: “As águas te viram, ó Deus, as águas te viram, e tremeram; os abismos também se abalaram.” (Sl 77:16) 

• Oximoro — combinação de palavras opostas que se excluem. Na bíblia podemos encontrá-lo tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. Ex: “Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete.” (Ec. 7:2,) “O Evangelho é loucura para os sábios.” (1Co 1:18)

Portanto, o método alegórico nas interpretações bíblicas, traduz a analogia figurada do texto, apontando que a literalidade é insuficiente para desvendar as verdades contidas nas Escrituras, expressando a beleza dos significados ocultos nas mensagens.

Gostou deste conteúdo? Compartilhe com seus amigos e aproveite para acessar mais conteúdos como este.

Fonte:

HANSEN, J.A. Alegoria: construção e interpretação da metáfora. São Paulo: Hedra, 2006.

BOGAZ, Antônio S. - Patrística: Caminhos da tradição cristã. São Paulo: Paulus. 2008